Sou mãe da Luana que tem hoje 10 anos. Aos 2 anos ela recebeu o diagnóstico de artrite idiopática juvenil. Através do blog tenho a intenção de relatar a história da Luana, como ela tem passado, enfrentado a doença e seus questionamentos. Espero que esta seja uma forma dela ter um relato do que aconteceu em sua vida desde bem pequena e ao mesmo tempo dividir com outras famílias como estamos lidando com esta doença.







terça-feira, 31 de maio de 2011

DOENÇA AUTO IMUNE?

Nós possuímos um complexo sistema contra invasões externas. É o chamado sistema imune.
O processo evolutivo criou um mecanismo de defesa que é capaz de reconhecer praticamente qualquer tipo de invasão ou agressão. A complexidade do sistema está exatamente em conseguir distinguir entre o que é danoso ao organismo, o que faz parte do nosso próprio corpo como células, tecidos e órgãos, e o que não é nosso, mas não causa danos, como alimentos por exemplo.
Existe algo como uma "biblioteca de anticorpos" armazenada no nosso organismo. O corpo é capaz de lembrar de todos as substâncias, organismos ou proteínas estranhas que já entraram em contato conosco desde o nascimento. A estes dá-se o nome de antígenos. A partir de agora sempre que eu falar de antígeno, estarei me referindo a qualquer partícula capaz de desencadear uma resposta imune.
Durante nossa formação enquanto feto, nosso organismo começa a criar o sistema imune. O primeiro trabalho é reconhecer tudo o que é próprio, para mais tarde poder reconhecer o que é estranho. O útero materno é um ambiente estéril, ou seja, livre de agentes infecciosos. Assim que nascemos somos imediatamente expostos a um "mundo hostil" com uma enormidade de antígenos. Desde o parto, o corpo começa a reconhecer, catalogar e atacar tudo que não é original de fábrica.
Esse contato com antígenos nos primeiros anos de vida é importante para a formação desta "biblioteca de anticorpos". O corpo consegue montar uma resposta imune muito mais rápida se já houver dados sobre o invasor. Se o antígeno for completamente novo, é necessário algum tempo até que o organismo descubra quais os anticorpos são mais indicados para combater aquele tipo de partícula.
A Doença auto-imune ocorre quando o sistema de defesa perde a capacidade de reconhecer o que é "original de fábrica", levando a produção de anticorpos contra células, tecidos ou órgãos do próprio corpo.

Resumidamente, uma doença auto-imune é aquela onde o nosso sistema de defesa inapropriadamente começa a produzir anticorpos contra nossas próprias células e tecidos. Somos nós atacando nós mesmos.

FAN POSITIVO

Em um dos primeiros exames de sangue que a Luana fez logo que iniciou o tratamento para artrite a Dra. Ilóite pediu o FAN. Eu tinha certeza que o resultado daria negativo, mas para minha surpresa deu positivo. A Luana tem FAN positivo ou reagente com padrão nuclear pontilhado fino denso. Título 1:320.
Com este resultado, por ser menina e pela doença ter iniciado como oligoarticular, a Luana precisa de cuidados maiores com os olhos. A uveíte é mais comum quando a criança tem as características que ela apresenta. Por isto consultamos um oftamologista a cada 6 meses. A uveíte é uma inflamação que não causa dor e não é perceptível ao olhar, por isto o cuidade é importante.

O QUE É FAN?

O FAN (fator antinuclear) como o próprio nome diz, são anticorpos contra estruturas das nossas próprias células, principalmente contra o núcleo celular. Esses auto-anticorpos foram descobertos na década de 1940 em pacientes com Lúpus.
Com o passar do tempo, descobriu-se que o FAN é na verdade um conjunto de anticorpos, contra diferentes estruturas das células, podendo indicar várias doenças auto-imunes diferentes. Sabe-se também que 10% a 15% da população sadia pode ter FAN positivo em valores baixos sem que isso indique qualquer problema de saúde.

Os padrões mais comuns na prática e suas prováveis patologias, são:
  • Nuclear pontilhado Centromérico = Esclerodermia e Cirrose biliar primária
  • Nuclear homogêneo = Lúpus, Artrite Reumatóide, Artrite Idiopática Juvenil, Síndrome de Felty, Cirrose Biliar Primária.
  • Nuclear tipo membrana nuclear contínua = Lúpus, Hepatite auto-imune
  • Nuclear pontilhado fino = Síndrome de Sjögren Primária, Lúpus Eritematoso Sistêmico, Lúpus
  • Nuclear pontilhado fino Denso = Inespecífico, pode estar presente em várias doenças auto-imunes e também na Cistite Intersticial, Dermatite Atópica, Psoríase e Asma.
  • Nuclear pontilhado grosso = Doença Mista do Tecido Conjuntivo, Lúpus Eritematoso Sistêmico, Esclerose Sistêmica e Artrite Reumatóide
  • Nucleolar pontilhado = Esclerose Sistêmica
  • Citoplasmático pontilhado reticulado = Cirrose Biliar Primária e Esclerose Sistêmica
  • Citoplasmático pontilhado fino = Polimiosite e Dermatomiosite
É preciso saber interpretar os resultados do Fator antinuclear. Um mesmo padrão pode significar várias doenças auto-imunes diferentes, e dependendo do caso, não significar nada.
O FAN precisa ser avaliado junto com o quadro clínico do paciente. É importante lembrar que o doente é um todo e não um resultado de uma reação química em um pedaço de papel. As associações descritas acima são possibilidades e não fatos consumados. Tenho recebido pedidos de interpretação de FANs baseados apenas nos seus resultados. O Fator antinuclear sozinho não faz diagnóstico de nada. Este é um exame que não dá para ser avaliado à distância.

O QUE É UVEÍTE?

Uveíte anterior, crônica e não granulomatosa se desenvolve em até 21% dos pacientes com o subtipo oligoarticular e em 10% do poliarticular (Quadro 4). É mais freqüente em meninas com oligoartrite e FAN positivo. A uveíte pode estar presente ao diagnóstico, desenvolver-se durante o curso da doença ou ser a manifestação inicial da AIJ. Os pacientes com AIJ devem ser avaliados pelo oftalmologista (exame com lâmpada de fenda) periodicamente a cada três (quando oligo ou poliarticular e FAN positivo) ou a cada seis meses. Complicações incluem sinéquia posterior, catarata, ceratopatia em faixa, glaucoma e perda da visão (em até 30% das uveítes).

INICIO DO TRATAMENTO

Iniciamos o tratamento da Luana com antinflamatório 2 x ao dia (Nimizulida). Como ela tinha apenas duas articulações com inflamação (joelho e cotovelo direitos), eles melhoraram. Mas logo depois de um mês ela teve uma amidalite e a artrite voltou a piorar aparecendo edema e aumento de temperatura no tornozelo direito também. Junto com o antinflamatório iniciamos o tratamento com corticóide durante 26 dias (Predsin).
Foi nesta ocasião que eu entendi o que é uma doença auto imune. No caso da artrite, o corpo entende que as articulações são como um virus e ele trabalha para combate-lo, criando a inflamação. Isto quer dizer que quando a criança tem uma gripe ou qualquer outra enfermidade o corpo trabalha para combater esta doença e pode piorar ou reativar a artrite também.
O tratamento com corticóide na Luana melhorou suas articulações e seguimos com o antinflamatório por mais 6 meses com melhora das articulações afetadas, mas ainda com atividade.
Depois dos 6 meses de diagnóstico eu estava bem feliz que a Luana continuava com apenas 3 articulações acometidas pela doença. Foi depois dos 6 meses que tudo mudou piorando muito o prognóstico. Começaram a inchar os dedos da mão esquerda, os dois punhos e dedos da mão direita. Ou seja, o diagnóstico de oligoarticular passou para oligoarticular estendida. Voltamos com corticoide e precisamos introduzir um novo medicamento: o Metotrexato. Iniciamos com 2 comprimidos semanais e fomos gradativamente aumentando até chegar em 5 comprimidos.
O metotrexato é um quimioterápico que baixa a imunidade da criança deixando-a mais suscetivel a outras doenças e viroses. Seus efeitos colaterais podem provocar enjoo, perda de apetite, vomitos, etc. O efeito deste medicamento é a longo prazo, por isto é preciso ter paciência até ele fazer efeito, e ele faz!! O bom é que ele faz!!
Na época de decidir por usar ou não um medicamento tão forte em uma menina de 2 anos de idade acabei consultando um outro reumatologista para uma segunda opinião. Ele concordou com o diagnóstico e piora da doença da Luana e me disse que eu não deveria me preocupar tão a longo prazo com ela, que o melhor que eu podia fazer por ela naquele momento era iniciar o tratamento com o Metotrexato. Foi isto que eu fiz. Quando iniciei o tratamento a Luana tinha 8 ou 9 articulações em atividade.
Depois de 3 ou 4 meses retiramos corticoide e antiinflamatorio e ela ficou apenas com o MTX e sem atividade em nenhuma articulação. Ficou mais 2 meses sem atividade e diminuimos para 4 comprimidos de MTX e ela ficou bem com este medicamento por 1 ano. A Luana nunca teve nenhuma reação ao MTX, a única coisa que percebo é uma pequena diminuição no apetite e as vezes azia.
Depois deste ano sem atividade começamos a retirar o medicamento gradualmente. Isto levou 3 meses e após 2 semanas sem nenhum remédio a doença voltou em mais de 15 articulações. E os remédios também!! Antinflamatório, corticóide, MTX... tudo novamente!! Ela já tinha 4 anos e logo após o inicio desde tratamento as inflamações começaram a ceder e a rigidez matinal também.

OS SUBTIPOS DA AIJ

Os subtipos são reconhecidos de acordo com as características clínicas durante os primeiros seis meses da doença.

AIJ oligoarticular
AIJ oligoarticular é diagnosticada em crianças com artrite em até quatro articulações durante os primeiros seis meses de doença. As grandes articulações dos membros inferiores são as mais acometidas e é freqüente a monoartrite de joelho. As meninas com fator antinuclear antinúcleo (FAN) positivo têm maior chance de apresentar uveíte anterior crônica.
Se após os seis primeiros meses a criança apresentar artrite em cinco ou mais articulações considera-se "AIJ oligoarticular estendida", que é de pior prognóstico. Aproximadamente 50% das crianças desenvolvem a oligoartrite estendida, 30% das quais nos primeiros dois anos de doença. Os fatores de risco para esta evolução incluem: artrite em tornozelos ou punhos, artrite simétrica, comprometimento da mão, artrite em duas a quatro articulações, velocidade de hemossedimentação elevada e FAN positivo. Em um estudo retrospectivo, com tempo de evolução de 16,5 anos, foi observada remissão em 75% das crianças com AIJ oligoarticular e em 12% daquelas com AIJ oligoarticular estendida (Quadro 2).
AIJ poliarticular
A presença de artrite em cinco ou mais articulações durante os primeiros seis meses de doença caracteriza a AIJ poliarticular. Este subtipo inclui pacientes com FR negativo (20% a 30% das AIJ) e FR positivo (5% a 10% das AIJ). As meninas são mais acometidas do que os meninos.
O subtipo poliarticular FR negativo tende a aparecer numa idade mais precoce, ou seja, nos primeiros anos de vida, enquanto que os pacientes com FR positivo iniciam a doença mais tarde. Os pacientes soronegativos têm prognóstico variável e podem representar um grupo de doenças que poderão ser futuramente recolocadas em outro subtipo.
Os pacientes soropositivos são predominantemente meninas adolescentes com artrite simétrica das pequenas articulações que podem apresentar nódulos subcutâneos. O quadro articular é com freqüência agressivo e bastante doloroso. A associação com o HLA destes pacientes é semelhante a dos adultos com artrite reumatóide (AR) FR positivo e provavelmente representa uma expressão precoce da AR. A coluna cervical e a articulação têmporo-mandibular são, com freqüência, acometidas. As deformidades que podem ocorrer nas mãos destas crianças são semelhantes as que ocorrem nos adultos (pescoço de cisne e botoneira). A uveíte crônica pode ocorrer, porém é bem menos freqüente do que nos oligoarticulares.

AIJ sistêmica
A AIJ sistêmica é o único subtipo sem forte associação com faixa etária ou sexo. As manifestações extra-articulares incluem: febre, "rash" cutâneo, linfadenomegalia, hepatoesplenomegalia e serosite. Em muitos pacientes a artrite só irá aparecer durante a evolução do quadro, após semanas ou meses do início da doença. Esta é uma das principais dificuldades no diagnóstico definitivo da AIJ sistêmica.
A febre tem duração de pelo menos duas semanas, geralmente alta, com um ou dois picos diários. O "rash" se caracteriza por máculas não pruriginosas em tronco e região proximal das extremidades, é evanescente e piora ou aparece com a febre; nunca é purpúrico. A artrite é, geralmente, poliarticular, porém poderá ocorrer oligoartrite assimétrica. O curso da AIJ sistêmica é variável, podendo ocorrer remissão em até 70% dos casos e em torno de 30% a 35% podem evoluir com poliartrite crônica destrutiva. Os preditores de mau prognóstico incluem: idade menor de seis anos; duração da doença maior que cinco anos; persistência das manifestações sistêmicas (febre prolongada e persistência do tratamento com corticosteróide) e plaquetose persistente (Quadro 3).

segunda-feira, 30 de maio de 2011

O QUE É ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL?

A Artrite Idiopática Juvenil ou Artrite Reumatóide Juvenil, é uma doença inflamatória crônica que agride as articulações e outros órgãos, como a pele, o coração e os olhos. É caracterizada por dor, aumento de volume e de temperatura de uma ou mais articulações. Em algumas crianças a dor é mínima ou até mesmo inexistente. A doença  inicia sempre antes dos 17 anos de idade. A incidênciada Artrite Idiopática Juvenil é desconhecida em nosso país.A causa exata da Artrite Idiopática Juvenil ainda é desconhecida. Fatores imunológicos, infecciosos e genéticos estão envolvidos. Alguns estudos mostram que existe uma certa tendência familiar e que alguns fatores externos, como infecções bacterianas e virais, o estresse emocional e os traumatismos articulares podem atuar como desencadeantes da doença.
O diagnóstico é clínico e baseia-se na presença de artrite em uma ou mais articulações com duração maior ou igual a 6 semanas. Além da dor e da inflamação articular pode ser observada uma certa dificuldade na movimentação ao acordar, fraqueza ou incapacidade na mobilização das articulações, além de febre alta diária (> 39º C) por períodos maiores do que 2 semanas. Não existem exames laboratoriais específicos para detectar esta doença. 
O tratamento consiste no uso de antiinflamatórios, glicocorticóides, drogas modificadoras da doença, Fisioterapia e Terapia Ocupacional além de tratamento ortopédico quando necessário. 
Em muitos pacientes a doença é controlada até o final da adolescência. No entanto, alguns podem apresentar doença crônica com períodos de melhora e piora que persistem até vida adulta.A interrupção do tratamento pode ter conseqüências sérias e irreversíveis, como piora da inflamação, deformidades articulares irreversíveis, destruição da cartilagem e piora da capacidade física.
A fisioterapia é de grande importância para a recuperação e manutenção da mobilidade das articulações acometidas e deve ser iniciada assim que possível. Seu principal objetivo é reabilitar o paciente para a realização das atividades diárias rotineiras, através do fortalecimento muscular, alongamento de tendões e aumento da amplitude de movimento articular. 
O fisioterapeuta poderá orientar a família na utilização de adaptações para uso em tarefas diárias e na realização de exercícios em casa. As crianças devem ser estimuladas a ter uma vida mais saudável, sendo estimulada a prática de esportes, porém,  deve ser supervisionada por um especialista em reabilitação e as articulações protegidas contra possíveis traumatismos. Esportes com impacto como o futebol e o vôlei devem ser evitados nas fases iniciais do tratamento, enquanto a natação deve ser estimulada. 
A doença tem um impacto em várias dimensões da vida da criança e dos familiares: aspectos físicos, emocionais, sociais, educacionais e econômicos. Com isto a dinâmica da família pode alterar-se expressivamente. A troca de informações entre o paciente, seus familiares, o reumatologista pediátrico e os demais profissionais relacionados (fisioterapeuta e psicólogo) é fundamental para que este impacto seja minimizado.
Os pais devem estar atentos, uma vez que poderão ser observadas modificações no comportamento da criança com artrite, especialmente devido à presença da dor e diminuição da capacidade física. Algumas crianças podem ficar tristes enquanto outras podem sentir raiva de intensidade variável. Em alguns casos pode ser observado sentimento de culpa nos pais ou nos irmãos, que satisfazem todas as vontades dos pacientes. Este processo dificulta o retorno da criança com artrite para uma "vida normal". As crianças com artrite devem ser estimuladas a retomar o mais breve possível a sua vida social e escolar. 
Na escola, o professor deve ser orientado sobre a doença. As necessidades pessoais deverão ser avaliadas e respeitadas. Uma vez que a incapacidade física tem melhora de forma lenta.

QUANDO TUDO COMEÇOU.

A Luana tinha 2 anos e 2 meses quando identificamos que ela mancava com a perna direita. No primeiro e segundo dias não demos bola porque ela não reclamava de dor, mas como ela persistia mancando resolvemos tentar identificar porque ela mancava. Foi quando comparamos os dois joelhos e vimos que o direito estava inchado e muito vermelho. Liguei imediatamente para a pediatra dela Dra. Silvana Marcantonio que mandou em fazer um raio X e exame de sangue. Fizemos o que ela havia solicitado naquela tarde e quando ela viu os resultados nos encaminhou para o ortopedista Dr. Alimena. Depois de examinar a Luana ele pediu que voltassemos para a pediatra e nos perguntou se tinhamos alguém da família com doenças reumáticas. Doenças reumáticas? Não!!!
Quando voltamos a pediatra ela pediu que fossemos em uma rematologista infantil. Reumatologista? Mas isto não é médico para pessoas idosas? Foi ai que conhecemos a Dra. Ilóite Scheibel que cuida da Lu até hoje.
No primeiro exame clínico, antes de examinar os joelhos, ela pediu que a Luana esticasse os dois braços para frente. O esquerdo esticou, mas o direito ela não conseguiu esticar completamente, ele já estava em flexus, ou seja, não esticava mais pois já estava inflamado.
Depois de muita conversa ela nos explicou rapidamente sobre a ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL OU ARTRITE REUMATÓIDE JUVENIL e sobre os seus subtipos e disse que a Luana se enquadrava no subtipo mais brando da doença, a oligoarticular que atinge até 4 articulações.